quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

De Vela Acesa

Fui criança nos anos oitenta. Vocês também foram. Então, por que não sei as músicas que vocês cantam? O que eu fazia enquanto vocês ouviam A-Ha no rádio e iam a hi-fis?

Era criança, simplesmente. Tinha a liberdade de não precisar saber nada. Não tinha que ler jornal. Não era preciso ouvir rádio. Ouvia discos na vitrola, músicas para crianças – que, naquele tempo, eram Toquinho, Vinícius, Chico, Balão Mágico, Trem da Alegria. Lia histórias de fadas, e andarilhos, e meninas que vendiam palitos que as pessoas usavam antigamente para fazer fogo (fósforos, era esse o nome?), e bonecos que tomavam vida, fossem pretos ou doces, pinóquios ou emílias. E quadrinhos! Quantos gibis li sobre uma certa turma de crianças, tão insólitas e tão comuns, que habitavam uma São Paulo bem diferente da noticiada nos jornais...
 

Minha memória esqueceu as palavras. Lembra-se, sim, de ritmos, melodias, imagens, aromas, cores, cheiros, sensações de pequenez e amplitude despertados pela tempestade violenta ou pelo fim de tarde rosa de arco-íris e com cheiro de terra molhada. Até dos sonhos se lembra! E da cor laranja dos cabelos da menina novata da escola (Irene!) que sempre me fascinou! Lembra-se dos risos e choros, costumes e preferências, desde a mais tenra idade. Mas as palavras foram perdidas na poeira dos anos, comidas pelas traças do tempo. Ficaram piqueniques, gangorras, redes, escorregadores, estrelas... Brinquedos...

Quanta coisa há guardada no sótão que, às vezes, visito, sempre de vela acesa porque a chuva apagou a luz... Assim, passo noites vagando na penumbra, sem nunca encontrar as palavras perdidas. E sem nunca desistir de procurar.

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