segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Estradas de Pulagem

Viajar pelas estradas da região é sempre uma aventura. Fazendo o trajeto JF-SJN, no Réveillon, achei a estrada muito boa, um tapete cinza na maior parte do trajeto. O trecho que havia caído no início de 2010 estava, finalmente, consertado. Faixas pintadas, asfalto novo de Bicas a São João, olhos-de-gato indicando o caminho como a pista de um aeroporto...

Tudo muito bom, tudo muito bem. Só que isso foi há vinte dias.

Voltando a São João neste fim de semana, a tensão de ter que constantemente desviar dos buracos e afundamentos fizeram-me chegar com os braços doloridos e os olhos cansados. Não se aproveita a viagem. E ainda temos que andar distantes de tudo quanto é carro, para evitar as pedrinhas voando no parabrisa e para ter tempo de desviar dos buracos, que surgem de repente.

Vinte. Vinte dias só. Uma ou duas semanas de chuva e calor alternados já fizeram seus estragos. Trepidação total ao volante.

Tirando o trecho de asfalto novo (que também já tem lá seus princípios de afundamento), é fácil constatar que os buracos surgem sempre nos mesmos lugares, pois a quantidade e a variedade de matizes do asfalto resultam num trabalho de patchwork pra artesã nenhuma pôr defeito.

Pergunto-me (já que há muito não transito por elas) como estarão as rodovias sob concessão. Em igual estado? Será que as dezenas de pedágios cobrados compensam? Será que é só assim, pagando (de novo) pelo que é direito de todos, que conseguimos um mínimo de condições de uso? Será...?

Arre! Quando é que vão melhorar a qualidade do asfalto brasileiro? Desenvolver um material que seja adequado ao calor intenso, às chuvas torrenciais do verão, ao excesso de caminhões trafegando em nossas rodovias? Você trafega pelas autopistas europeias, pelas rodovias menores, pelas estradas vicinais, e o que vê é um asfalto cinza-claro, com muitas pedras aparentes e menos piche, marcas escuras do caminho trilhado pelos veículos – um asfalto antigo, sem dúvida. Mas buracos? Remendos? Nã-nã-ni-nã-não. Não tem. E olha que eles enfrentam calor tórrido e neve – condições mais extremas que as nossas. Lá, você engata a quarta, a quinta, e segue sem dó. Curte as plantações à beira do caminho, os tapetes de girassóis, os moinhos, os campos santos, tudo em paz.

O Brasil é mesmo um país de cabeça pra baixo...

sábado, 22 de janeiro de 2011

Consumidores... E Cidadãos?

Por que somos tão mal atendidos em Juiz de Fora? Onde quer que se vá, a regra geral é cara fechada, má vontade, despreparo, informações incompletas. Ou também encontramos um excesso de simpatia camuflando a falta de treinamento e profissionalismo do "minha querida", "meu amor", "meu bem" – expressões de uso privado, totalmente deslocadas na esfera pública.

O juizforano atende mas não serve. Atende como quem faz um favor. Como quem está sendo interrompido de outras funções mais importantes – organizar prateleiras, conferir as contas do dia ou até limpar a loja (ah, esses clientes que insistem em sujar o chão!). O juizforano ainda não aprendeu a trabalhar nos bastidores. E o pior, ainda não aprendeu a trabalhar com gente.

Eu digo tudo isto depois de ser destratada, ou bajulada, ininterruptamente em quase todas as compras que tentei fazer no último fim-de-ano. Ou me tratam como um traste, ou como uma abobada.

Fui dia desses tomar um iogurte congelado na nossa mais célebre ilha do consumo. A atendente com cara de pitbull me pergunta se quero algum topping. Marinheira de primeira viagem, pergunto do que se trata. Ela me mostra um balcão frio com todo o tipo de besteiras calóricas, confeitos, chocolates, coisas açucaradas. Digo que não, obrigada; quero um iogurte com frutas vermelhas. A "mocinha" traz um pode de sobremesa cor de rosa. Pergunto pelas frutas vermelhas. Ela responde que o iogurte é de frutas vermelhas. Digo que quero o iogurte COM frutas vermelhas. Mas você não quis os toppings. Que raios são toppings, penso mas na prática omito os raios. Ela aponta outro balcão com "coisinhas de pôr em cima" (por que não traduzem? Estou no Brasil?). Ah, tá. Mas você só mostrou o balcão de porcarias de chocolate, não mostrou o de frutinhas fresquinhas. E com cara de caso vai, de má vontade, colocar as tais frutas vermelhas em cima do iogurte, enquanto eu, igualmente vermelha de raiva, refreio o impulso furioso de jogar na parede branca o creme rosa.

Isso é só aqui? Em Juiz de Fora a coisa é pior, ou é impressão minha?

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Nós e as sacolinhas plásticas

Lembro-me da minha mãe, quando eu era criança, acomodando as compras em caixas de papelão, e depois fazendo malabarismo para acomodar as três ou quatro ou cinco caixas no fusquinha areia que ela tinha então. E eu ia no banco de trás, espremida e miúda, no meio daquele porta-malas, ou porta-caixas, ambulante. Meu avô tinha um carrinho de feira, de metal, daqueles que dobram-e-fecham, desdobram-e-abrem. Havia também umas sacolas que se dobravam sobre si mesmas e entravam em seus próprios bolsos, virando uma carteirinha de pano; isso sem falar nas tradicionais sacolas de feira listradinhas, de lona plástica. Ah! E quase me esqueço dos sacos de papel do Merci, supermercado substituído depois pelo CB (com aqueles porquinhos impressos em marrom!), e depois Bretas.

Mas, na era dos Bretas e Bahamas e Sales e Super Mais (quanto S!), moderno passou a ser usar sacolas de plástico. Dessas que não cabem mais que três ou quatro produtos. Tão fraquinhas que, quando comportam mais do que os três ou quatro produtos, precisamos usar duas sacolas, uma dentro da outra, pra não correr o risco de perder as garrafas de suco pelo caminho.

E passamos duas dúzias de décadas esnobando sacolinhas plásticas. Usamos as ditas cujas para pôr lixo, para carregar tranqueiras pessoais, para evitar que o gesso molhe no banho, como luva para mexer no esgoto, como saquinhos de vômito nas viagens, como touca para banho de creme no cabelo sábado à tarde. Usamos sacolinhas plásticas aos milhares, às toneladas. Fomos modernos e usamos a tecnologia do saco plástico não-biodegradável a torto e a direito.

Hoje, para estar na moda, mas na moda mesmo, in é sacar sua sacolinha de pano, dobrável e retornável. As sacolas de lona, o ó do kitsch, ganharam enfeitinhos mais coloridos que elas mesmas e ficaram cult. Já vi uns e outros com novos carrinhos de ferro, reluzentes. E os empacotadores (quando os supermercados os têm, é claro) amontoam as caixas de papelão na saída dos mercados, reservando-as para as compras mais volumosas.

Ah! O ser humano e suas eternas verdades provisórias!...

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Notícias Populares

Estou indignada. Estou pasma. Estou anestesiada com essa violência gratuita que invade nossos lares, através dos jornais impressos, dos telejornais que derramam na mesa das refeições o sangue das tragédias urbanas. Será que não há mais nada pra se noticiar neste mundo? Só existe desgraça acontecendo por aí? O sangue e a tragédia é que dão ibope?

Procuro a arte como forma de resolver meus problemas. De criticar esse sensacionalismo, essa banalização da violência, para que os artistas e o público possam se fazer essas perguntas, possam questionar o mundo, buscar ver alguma poesia no cotidiano. Para que percebam que por trás dos números de mortos, feridos, desabrigados, desaparecidos, há pessoas - com nome, família, sonhos perdidos, vidas tiradas. Pessoas que sofrem de verdade, que não têm tarja preta nos olhos, iniciais em lugar de nomes, sangue de catchup: que não são simplesmente uma foto de jornal.

Acredito na arte como ferramenta para os problemas individuais e coletivos. Não é à toa que o teatro vem saindo do palco e ocupando os hospitais, as escolas, os presídios, os bairros, as ruas: é um meio de expressão das nossas inquietações, ansiedades, inadequações e insatisfações. É um espaço de debate, de leitura da realidade, de reflexão, para a construção da cidadania em nossos jovens, do compromisso com o outro e com o mundo. "O Teatro não transforma o mundo, mas nos mostra que é preciso transformá-lo" (salve Dias Gomes). Não é o que fazemos ao levar para o palco a crítica dos meios de comunicação - formadores de opinião pública, ao invés de aceitar todos os fatos noticiados como verdades inelutáveis?

Acho também que a escola não deve servir só para transmitir conhecimentos: sobretudo, deve promover o desenvolvimento das habilidades sociais, comunicacionais, emocionais, relacionais e críticas. Por isso debater a violência através do teatro, através do jornal, através da educação. Através de elementos pulsantes e vivos da nossa sociedade.

Peça "Notícias Populares", dias 23 e 24 de outubro de 2010, às 19h30, no Teatro Academia.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

De Vela Acesa

Fui criança nos anos oitenta. Vocês também foram. Então, por que não sei as músicas que vocês cantam? O que eu fazia enquanto vocês ouviam A-Ha no rádio e iam a hi-fis?

Era criança, simplesmente. Tinha a liberdade de não precisar saber nada. Não tinha que ler jornal. Não era preciso ouvir rádio. Ouvia discos na vitrola, músicas para crianças – que, naquele tempo, eram Toquinho, Vinícius, Chico, Balão Mágico, Trem da Alegria. Lia histórias de fadas, e andarilhos, e meninas que vendiam palitos que as pessoas usavam antigamente para fazer fogo (fósforos, era esse o nome?), e bonecos que tomavam vida, fossem pretos ou doces, pinóquios ou emílias. E quadrinhos! Quantos gibis li sobre uma certa turma de crianças, tão insólitas e tão comuns, que habitavam uma São Paulo bem diferente da noticiada nos jornais...
 

Minha memória esqueceu as palavras. Lembra-se, sim, de ritmos, melodias, imagens, aromas, cores, cheiros, sensações de pequenez e amplitude despertados pela tempestade violenta ou pelo fim de tarde rosa de arco-íris e com cheiro de terra molhada. Até dos sonhos se lembra! E da cor laranja dos cabelos da menina novata da escola (Irene!) que sempre me fascinou! Lembra-se dos risos e choros, costumes e preferências, desde a mais tenra idade. Mas as palavras foram perdidas na poeira dos anos, comidas pelas traças do tempo. Ficaram piqueniques, gangorras, redes, escorregadores, estrelas... Brinquedos...

Quanta coisa há guardada no sótão que, às vezes, visito, sempre de vela acesa porque a chuva apagou a luz... Assim, passo noites vagando na penumbra, sem nunca encontrar as palavras perdidas. E sem nunca desistir de procurar.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

De Criança e de Velho

Desde muito pequena, sempre tive um pouco de criança e de velho.

Às vezes, eu me comporto como uma criança, com medos infundados, comentários inoportunos, gargalhadas desmedidas e fora de hora, imaturidade emocional e preguiça. E vem a decepção. Mulher feita, podia ser mãe há muitos anos, fazendo isso, sentindo aquilo...

É horrível decepcionar-se consigo mesmo.


A pior decepção possível é consigo mesmo.

Mas comecei a perceber que, se às vezes sou muito infantil, é pra equilibrar meu lado velho. Um lado que já vê o mundo com saudades, mesmo do que não está lá, mesmo sem saber do quê. Um lado que vê o mundo com olhos de despedida.

Sou um misto do tempo, um pouco de criança e outro tanto de velho. Não necessariamente meio a meio, não necessariamente numa proporção estática o tempo todo. Ninguém é uma coisa só o tempo todo, por que justo eu haveria de ser, tenham paciência!

O cansaço fora do normal que sinto de vez em quando são as vezes em que a criança dorme, e o velho toma conta de mim por inteiro. A saudade, a melancolia, a solidão... Reumatismos da alma. Não, não esses sentimentos no dia a dia, justificados e compreensíveis, comuns mesmo a todos os seres sentintes (pois só são comuns a quem sente, não se sabe se todos os viventes sentem, ora essa! É só ligar a tevê pra ter certeza que há entes que não sentem.), mas sim uma onda desses sentimentos, que me invade abruptamente, sem motivo aparente – e vai invadir sempre. Nessas horas ela sou velha, completamente.

Por isto perdi em alguma esquina o medo de envelhecer: uma parte de mim já está lá, do outro lado da ponte, aonde tantas pessoas têm medo de chegar. E minha outra parte ficará eternamente do lado de cá, pois mesmo quando velhinha, caducando em algum asilo, não largaria minha criança. Meu lado que vê graça no mundo, que ri e sente prazer nas pequenas coisas, e que não acha que felicidade era artigo caro. E raro. Meu lado que vê o mundo com olhos ávidos, sedentos, curiosos – olhos de primeira vez.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Sóis das Manhãs

Não há nada mais agradável, no inverno, do que andar na rua, sem pressa e sem destino, sob o sol da manhã. Sempre achei que há nele qualquer coisa de encantado: tudo o que é tocado por ele se enche de brilho, de cor, de algo novo e inexplicável. Desde as pedras do calçamento tosco da rua até os arbustos no morro gramado, tudo – tudo parece que acabou de surgir, que nada existia durante o escuro.

As pedras, o verde das árvores, as casas, os carros... Tudo é diferente pela manhã. Até o movimento nas ruas é menor... Como se tudo parasse para apreciar o raríssimo espetáculo da natureza que acontece em todas as manhãs de céu claro.

(Não, não é que as manhãs de céu claro sejam raras, especialmente no inverno. Raro é encontrar pessoa que, no meio da manhã, perceba a beleza do quadro.)

Tudo fica parado; e o que não para, move-se lentamente... Os gatos dormem na varanda, para sempre imobilizados pela letargia gostosa trazida pelo sol; a cadela descansa eternizada no fundo do quintal; os pássaros cantam, mas não se vê um sequer passar no céu: só se ouve o som. Tudo parece parado e alegre, tudo parece eterno, na poesia escrita pelo sol morno e amarelo das manhãs de inverno seco do sudeste brasileiro.

Enquanto ando a esmo, o sol inunda meus pensamentos e, por alguns momentos, nada mais existe em minha mente, nenhum problema, nenhum vazio. Deixo o sol da manhã bater na pele, romper as carnes, penetrar nos ossos e invadir o coração – aquecer a alma...

Pela manhã – penso sem palavras, cerrando os olhos sob a luz – todas as pessoas parecem grávidas: um brilho diferente nos cabelos, na pele, nos olhos, nos sorrisos... Estão todas grávidas da vida que só vai se romper à tarde, depois do meio-dia, quando o mundo, que antes parecia um quadro, estático, ganha movimento, agitação, pressa, correria... Todas estão grávidas do novo mundo que só se romperá à tarde, quando o sol já será outro, as árvores não serão tão verdes e o ar não será mais o bafo morno de calma, quietude e alegria, mas um ar árido, ainda que parado, de cansaço e pressa. É nesse mundo que o útil e necessário à fabulosa vida moderna é criado.

Neste momento, não quero nada útil. Quero coisas inúteis, maravilhosamente inúteis; belas e que deem prazer à alma. Como o sol da manhã.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Chuva de Natal

Natal com chuva tem sabor de infância.

São seis, sete da noite. Sou criança e estou sentada na sala, com a luz apagada. A noite entra aos poucos pela porta de vidro, trazendo ainda a fraca luz do dia chuvoso. A árvore brilha acesa, toda colorida, piscapiscando natalices. O dia esbranquiçado lá fora sopra um vento gelado no calor abafado da sala de visitas onde eu, toda ansiedade, tule e tafetá, espero a festa.

Que sempre é igual, todos os anos. O que muda, na cena que revivo na memória, é o antes: se o entardecer tem chuva ou não. Agora mesmo, enquanto me revejo sentada cor-de-rosa à minha frente, um vento gelado e úmido me chega às costas pela janela. É natal e tem chuva. Ao contrário dos anos da minha infância, não há um só presente sob a árvore. Os primos não vieram. Alguns parentes já não estão mais sobre a terra. A gata passeia displicentemente pela sala, sem se esfregar nas pernas dos convidados. Porque não há convidados. Não há terezinhas ou marias que ajudem com as dezenas de pratos da ceia, como vejo acontecer no natal simultâneo da menina, porque agora os pratos da ceia não somam dezenas. Tudo mudou, tudo agora está diferente.

Mas há a chuva, como nos natais da minha infância.